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Que cenário nos aguarda em 2021?

Publicada em 18/12/2020 às 13h41

Às vésperas das festas de fim de ano esta é talvez a pergunta para a qual gostaríamos de ter a seguinte resposta: em 2021 estaremos todos vacinados; esse vírus maldito terá sido erradicado; não teremos mais a Covid-19 assustando nossas vidas; poderemos trabalhar,­­passear na rua e na praia, abraçar e beijar à vontade; sair de mãos dadas quando quisermos; encontrar pessoas que amamos sem medo de contaminá-las ou nos contaminarmos; enfim voltaremos a viver exatamente como antes dessa pandemia que assolou o mundo.

Ainda bem longe disso, refletir um pouco pode ser útil para ajudar-nos a compreender o que se passa no mundo. Começo introduzindo um termo que me era desconhecido, mas que foi cunhado desde a década de 1990 por um médico, antropólogo e pesquisador americano, Merrill Singer.­

Ele juntou duas palavras, sinergia e pandemia, criando o termo e o conceito de sindemia, que se caracteriza pela piora de uma situação de saúde devido à interação mutuamente agravante entre as doenças que atingem as populações e seu contexto social, ambiental e econômico.

Havia lido que o Sars-Cov2 era um “vírus democrático”, que atingia a todos indiscriminadamente e igualmente, o que o tempo tem demonstrado ser verdade, pois ele realmente não quer saber quem é quem, embora sua predileção por idosos e os com doenças crônicas desde o começo tenha sido demonstrada.

Entretanto, o tempo foi passando e escancarando o mundo escandalosamente desigual que nós temos. Fomos vendo que as possibilidades de exposição e contaminação são maiores entre os mais pobres que precisam sair para trabalhar e moram aglomerados, enquanto o acesso a diagnóstico e a tratamentos de suporte são menores para eles, num ciclo perverso. Consequentemente, a pobreza engrossa as estatísticas de morte pela Covid-19.

De quebra, nos países em que a ajuda governamental foi inexistente ou pífia, os pobres tornaram-se mais pobres, o que com certeza lhes subtraiu defesa imunológica por falta de boa nutrição, deixando-os mais suscetíveis a adoecer e a ter menor resistência ao contrair o vírus.­

Entre nós, a demora em admitir que a doença era grave, que matava muito e que precisava de ações coordenadas, promovendo um combate conjunto foi fatal, ajudando o vírus a matar cada vez mais. Cada um de nós já perdeu um amigo, um parente, um conhecido, embora inacreditavelmente para alguns a pandemia não exista.­

No meio dessas circunstâncias terríveis de desconhecimento e incertezas iniciais estabeleceu-se uma espécie de caos quanto às condutas a serem adotadas, o que foi aos poucos sendo corrigido, embora ainda haja quem passe ao largo da ciência. A população desorientou-se, as redes sociais passaram a balizar a vida de parte delas, mergulhando-as no pântano que são as fake news que tomaram conta do país. Em seguida começaram a surgir as vacinas, em alguns países isso já é realidade ou estão próximos dela, nós ainda engatinhando nessa questão.

Saio agora do coletivo para o individual, aqui registrando o que li e o que vi acontecer com as pessoas no decorrer da pandemia.­

Muitas mudanças ocorreram, isolamento, trabalho on line, desemprego, diminuição de renda, não esquecendo as perdas de entes queridos que entravam nas estatísticas, mas que não eram números para quem os amava. As reações foram tantas e tão diversas que teria dificuldade em listá-las. Dúvidas, medo, pânico, depressão, tédio, cansaço, dor emocional, tudo isso dentro do contexto acima citado formando um verdadeiro caldeirão cujos ingredientes interagem uns com os outros, ampliando o problema que vivemos (bem expresso nesse conceito de sindemia) e resultando num caldo pouco palatável.

Cada pessoa reagiu e ainda reage a seu modo e como só posso falar por mim mesma, expresso aqui o pensamento de quem gosta muito de aprender com o passado e com a observação reflexiva ­do presente. A despeito desse painel desanimador que espelha a realidade atual, não deixo de pensar que já tivemos duas guerras mundiais; grandes impérios ruíram; líderes perversos caíram; pandemias foram controladas. Isso me relembra diuturnamente o ditado popular “Não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe”.­

Acredito que embora­o sofrimento atual seja inevitável, temos que encarar essa dura realidade: estamos novamente em curva ascendente de casos e devemos nos esforçar para sobreviver com alegria e esperança.

Aqui reproduzo as belas e sábias palavras do Papa Francisco, quando diz “Peço a Deus que desperte no coração de todos o respeito pela vida de nossos irmãos e irmãs, especialmente dos mais frágeis e indefesos, e que dê força aos que a acolhem e cuidam, mesmo quando isso exige um amor heroico. ”

Que tenhamos todos esse respeito e essa força para que a esperança nunca nos abandone e sejamos invadidos por esse amor que nos permite sair de nós e olhar o outro com compaixão, o que representaria o verdadeiro espírito do Natal e introduziria no Ano Novo um mundo e um país menos desigual, menos iníquo, mais solidário e mais humano.­

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Maria de Fátima Duques

Maria de Fátima Duques

CRM-PB: 2638

Especialidade: Gastroenterologista

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