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O cigarro eletrônico inaugura uma nova etapa do tabagismo

Publicada em 07/07/2022 às 10h

Em outras eras, lá nos confins do século passado, ele, o cigarro, deitou e rolou na mente e coração da sociedade mundial. Distribuía charme e elegância em tudo que era fumante ao redor do planeta.

Mas, estudos desenvolvidos ao longo da década de 50 jogaram ele, o cigarro, na sarjeta da história. O charme virou nocividade e a elegância foi soterrada pelo repúdio da sociedade.

Ocorre que a competência, o apetite monetário e a insensibilidade da indústria tabageira jamais iriam admitir perder tantos dólares.

O pontapé inicial veio lá do Oriente, mais precisamente pelas mãos do chinês Hon Link, inventor do cigarro eletrônico (CE) no ano de 2003.

O segundo pontapé veio em forma de publicidade, promovida pela gigante Philips Morris (produtora do Marlboro), onde garantia encerrar definitivamente a produção do cigarro tradicional:  “A cada ano, muitos fumantes desistem do cigarro. Agora é a nossa vez".

O detalhe é que se “esqueceu” de avisar que estava investindo 11 bilhões de dólares na produção e publicidades do CE, metendo na cabeça do mundo que ele, o CE, era inofensivo e ajudava o tabagista convencional a largar a dependência.

E foi aí que começou o terceiro tempo desse jogo, que todo ano envia aos necrotérios do mundo 8 milhões de dependentes da nicotina. Alguém, por acaso, conhece uma tragédia maior do que essa na história da humanidade?

Tragédia que, certamente deve continuar, considerando as muitas substâncias nocivas contidas na  beleza do designer, no sabor diversificado e no aroma atraente dos CEs.

Formaldeídos, acetaldeídos, acroleínas, nitrosaminas, metais pesados, além da droga psicotrópica, que atende pelo nome de nicotina. Todas elas com potencial de produzir hipertensão arterial, AVC e infartos; patologias crônicas como a bronquite, enfisema, carcinomas...

Mas, a grande novidade nessa capacidade de produzir doenças foi ratificada em 2019, quando nos Estados Unidos, a EVALI (tosse, dor no peito, insuficiência respiratória grave...), que na tradução do inglês significa Doença do CE, remeteu mais de 2 mil norte-americanos aos serviços de emergência, com 48 óbitos.

As estatísticas disponíveis apontam para uma redução consistente do consumo do tabaco no Brasil ao longo desses 35 anos. Foram cinco as intervenções que puseram o país na vanguarda do combate ao tabagismo: extinção das publicidades; os programas de cessação do tabagismo; a inserção de mensagens nos maços de cigarros; o aumento dos preços, atingindo fortemente as classes sociais menos favorecidas - fumam mais -; e as políticas de ambientes livres do tabaco.

Há de se convir, no entanto, que a chegada do CE, travestido com uma nova roupagem e com imenso poder de atrair, essencialmente a galera mais jovem, significa que a guerra está muito longe de acabar.

E os combates devem seguir com a mesma determinação, no sentido de desmistificar o glamour que se criou em torno do CE, mas, fundamentalmente, inserir obstáculos para inibir o seu consumo, considerando que a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), proibindo a comercialização desse produto, não está sendo devidamente cumprida, conforme se observa em festinhas, bares e restaurantes de todas grandes cidades do país.

Paraíba sai na frente

Considere-se que, das intervenções que promoveram a redução de fumantes, as políticas de ambientes livres do tabaco cumpriram papel de elevada importância, essencialmente entre as classes sociais mais urbanizadas. De olho nessa realidade, a Paraíba deu um longo passo com a lei 12.351, sancionada pelo governo do Estado no dia 22/06, proibindo definitivamente o uso de CE em ambientes fechados.

Fale-se também da Operação Vape deflagrada pelo Procon estadual, em parceria com a Agência Estadual de Vigilância Sanitária (Agevisa) e a Polícia Federal, com apreensão de grande quantidade de CEs e a consequente prisão de responsáveis pela venda desses produtos, proibida em território nacional desde 2009.

E no dia 28/06 uma equipe do Instituto do Câncer (Inca) e um representante do Organização Pan Americana da Saúde (opas) mantiveram duas reuniões com integrantes do Comitê de Tabagismo da Associação Médica da Paraíba (AMPB)*, onde se definiu a participação da Paraíba como representante da região Nordeste num plano piloto para respaldar o projeto “Ações de sustentabilidade do Programa Nacional de Controle do Tabagismo”.

Fica a imensa esperança de que essas ações sirvam de exemplo para o resto do país, no sentido de promover na sociedade a consciência de que o cigarro eletrônico deva ser jogado na mesma sarjeta do cigarro convencional.

 

*Entidades que integram o Comitê de Tabagismo da AMPB

  • Associação Médica da Paraíba
  • Unimed João Pessoa
  • Conselho Regional de Medicina (CRM-PB)
  • Sociedade Paraibana de Pneumologia
  • Sociedade Brasileira de Cardiologia - Paraíba
  • Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT)
  • Secretaria Estadual da Saúde
  • Secretaria Municipal da Saúde – João Pessoa
  • Secretaria Estadual de Educação
  • Secretaria Municipal de Educação – João Pessoa
  • Ministério Público
  • Procon
  • Agência Estadual de Vigilância Sanitária (Agevisa)
  • Rede privada de ensino
Sebastião de Oliveira Costa

Sebastião de Oliveira Costa

CRM-PB: 1630

Especialidade: Pneumologia e Alergologia. Dr. Sebastião é presidente do Comitê de Tabagismo da Associação Médica da Paraíba e membro da Comissão de Tabagismo da Associação Médica Brasileira

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